Em três momentos distintos de sua carreira o astro visitou o país e deixou marcas profundas por onde passou
Michael Jackson fez apenas três visitas oficiais ao Brasil. Apesar de poucas, cada passagem aproximou mais o músico da realidade do país, estreitando seus laços com a cultura brasileira.
A primeira vez em que esteve no Brasil Michael era integrante do Jackson 5, grupo formado por ele e seus irmãos. A turnê de 1974 contou com apresentações em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre.
Aqui um vídeo raro dos Jackson's no Brasil
(por favor ignorem a presença do Zeca Camargo... vale a pena ver o vídeo)
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O cantor só retornaria ao país 19 anos mais tarde, já com sua carreira solo consolidada e aclamado como rei do pop. Michael desembarcou em outubro de 1993 para dois shows históricos realizados no Estádio do Morumbi, em São Paulo.
Juntas as apresentações reuniram mais de 200 mil fãs, que até então não haviam assistido um espetáculo daquele porte, com canhões de luzes, fogos e uma enorme tela de cristal líquido.
Um fato curioso sobre essa passagem foi o atropelamento de dois fãs na saída da fábrica de brinquedos Estrela, na capital paulista. Logo que ficou sabendo que uma das vans de sua comitiva havia quebrado a perna do jovem Márcio Alberto de Paulo, na época com 15 anos, Michael organizou uma visita ao Hospital Anchieta, surpreendendo o fã e sua família.
Na ocasião o músico posou para fotos, deu autógrafos e arcou com todas as despesas de tratamento do jovem.
A última visita de Jackson ao Brasil ocorreu em 1996, quando o astro decidiu filmar o clipe da canção "They Don't Care About Us" nas ruas do pelourinho, em Salvador, e na favela Dona Marta, no Rio de Janeiro.
O vídeo, cuja música faz parte do álbum HIStory: Past, Present and Future - Book I, contou com a participação dos músicos do grupo Olodum nas cenas gravadas na Bahia - local onde uma fã conseguiu furar a barreira policial e derrubar o astro ao abraçá-lo. A cena foi utilizada na edição final do clipe.
Só no Rio de Janeiro que Jackson encontrou problemas de verdade. O governo carioca ficou com receio que as imagens nas favelas prejudicassem a imagem do Brasil no exterior e quis proibir a gravação. Mas o diretor do clipe, o cineasta Spike Lee, já havia acertado tudo com o traficante Marcinho VP, que permitiu que a equipe filmasse no morro carioca.
Mesmo não visitando mais o país, Michael utilizou cenas gravadas com índios brasileiros diante de uma floresta amazônica devastada no vídeo da canção "Earth Song", terceiro single de HIStory: Past, Present and Future - Book I.
Michael! Michael! Eles não ligam pra gente!
No clipe que Michael Jackson gravou no Pelourinho, o nome da música era They Don’t Care About Us. Em português, “eles não ligam para nós”, uma referência ao problema da exclusão social. Mas, para alguns personagens que povoaram aquele cenário, a inclusão é que passou a ser a palavra de ordem depois que o astro pop pisou aquelas pedras seculares.
“Ele foi responsável pela divulgação do samba-reggae no mundo inteiro. Mais de cinco milhões de pessoas viram aquele clipe, que foi divulgado em 181 países”, calcula Nelson Mendes, diretor cultural do Olodum, em entrevista no mesmo local em que o grupo dividiu os holofotes com Jackson.
Neguinho do Samba, que fez os arranjos da música e comandou os 250 pecussionistas que acompanharam o popstar durante a gravação do audiovisual, vai mais longe. “A música do Olodum não é a mesma depois de Michael Jackson”, comenta o fundador da escola de percussão do Olodum.
“E ele foi importante também porque transformou a mentalidade daqueles meninos, que hoje são pais de família e entenderam que para serem bons têm de estudar, se dedicar” acrescenta o músico.
Embora admitindo que “demora de acreditar” na morte do astro, Neguinho do Samba fez questão de avisar qual era o objetivo da coletiva de imprensa, que foi convocada na Casa do Olodum.
CELEBRAR A VIDA – “Estamos aqui para celebrar a vida de Michael Jackson, não para chorar sua morte”, sentenciou, antes de refazer os passos que o levaram até o Largo do Pelourinho naquele fevereiro de 1996.
Desta vez com um time bem reduzido, que foi reunido meio às pressas, ao sabor da chegada dos jornalistas interessados em repercutir a morte de MJ na Bahia, o Olodum se instalou nas escadarias da Fundação Casa de Jorge Amado para prestar uma última homenagem ao artista.
O trio de vocalistas não foi além do refrão de They Don’t Care About Us. Mas engatou clássicos da banda, como Protesto Olodum, improvisando uma festa no que até então eram apenas resquícios do São João.
Entre os participantes da festa, dois tinham razões especiais para celebrar a herança deixada pelo artista.
“Tocar com ele representou um ganho em minha vida. Passei a ser bem mais reconhecido, nacional e internacionalmente. Por onde eu passo, sinto o carinho das pessoas”, afirma o percussionista Ubiraci Ribeiro do Rosário, ou Bira Jackson, que adotou o sobrenome artístico em homenagem àquele que se tornou seu ídolo.
Na época da gravação do clipe, Bira tinha 24 anos e era o título de “Bad Boy” que incrementava sua alcunha. Hoje, aos 37, os tempos são outros mas ele ainda ostenta uma certa “marra”, capitalizando ao máximo o que ficou dos instantes registrados pelas lentes do cineasta Spike Lee.
Presidente do Olodum também fala sobre a influência de Michael para a vida e a cultura no Brasil
O presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues acompanhou o músico durante a gravação de um clipe em Salvador, na década de 1990.
"Ele foi um grande representante afro-americano muito importante. Ele fez um trabalho incrível e se tornou uma lenda", disse Rodrigues.
O representante do Olodum estava em um evento de cultura negra em Brasília quando soube da morte do cantor. "A passagem dele por Salvador, especialmente no Pelourinho, foi de uma relevância enorme para o Olodum. Colocamos cerca de 215 percussionistas para tocar com ele. Antes, o grupo já tinha tocado com o Paul Simon e daí falamos com o Spike Lee para gravar com ele também."
Segundo Rodrigues, o trabalho com Michael Jackson levou o nome do Olodum para mais 181 nações pelo mundo. "O Olodum foi ouvido por mais de 5 bilhões de pessoas no mundo todo por causa do trabalho que ele fez com a gente. Foi uma visibilidade gigante."
Michael Jackson: Legado Pop na Favela
"Michael, Michael, eles não ligam pra gente!", clama uma voz feminina logo no início do vídeoclipe They Don't Care About Us, de Michael Jackson, gravado no morro carioca de Dona Marta, há 15 anos. Eram tempos bem diferentes das Unidades de Polícia Pacificadora, as festejadas UPPs. Será? Lá se vão 15 anos desde a passagem meteórica do astro pop americano para a famosa gravação no Brasil, realizada em fevereiro de 1996 (dia 10 em Salvador e 11 no Rio de Janeiro). O grito de ajuda da moça surtiu algum efeito, já que mudanças positivas ocorreram para o Pelourinho, e, principalmente, para o Dona Marta, cenários escolhidos como pano de fundo por Michael e pelo cineasta Spike Lee. A participação do Olodum no Pelourinho fez o grupo baiano ganhar visibilidade mundial, enquanto a favela carioca demorou, mas agora definitivamente faz parte do roteiro turístico da cidade - inclusive com um verdadeiro memorial póstumo dedicado a Jackson.
"Fora Michael Jackson!"
Os dias que antecederam a gravação foram muito movimentados nos bastidores. Na época, a gravação recebeu duras críticas de Ronaldo Cezar Coelho, Secretário Estadual de Indústria, Comércio e Turismo do RJ, alegando a divulgação única e exclusivamente da pobreza carioca com o clipe. A preocupação com essa espetacularização da miséria devia-se também às aspirações do Rio de Janeiro de ser a cidade sede das Olimpíadas de 2004 (que acabou realizada em Atenas, na Grécia). Até mesmo Pelé, que em 1996 era o ministro extraordinário dos Esportes, declarou-se contrário à gravação do clipe: "Falta ao cantor dar mais exemplo em sua vida pessoal". Em entrevista ao Jornal do Brasil, Pelé se mostrou contrariado com a escolha pela favela carioca: "Por que eles só querem mostrar a nossa pobreza? Por que eles não mostram nossas praias, a Amazônia e o Pão de Açúcar?", questionou.No entanto, o prefeito César Maia defendia a gravação. As declarações conflituosas dos políticos levaram Spike Lee a debochar do caso: o cineasta americano afirmou que as pressões visando à proibição da gravação faziam o país parecer "uma república de bananas". Michael, que na época enfrentava acusações de pedofilia, chegou a declarar ter desistido da viagem. Mas voltou atrás e fez história.
Luz, câmera, ação!
Naquele mês, a comunidade Santa Marta (localizada no morro Dona Marta, em Botafogo, zona sul carioca) atravessava um surto de conjuntivite. A maioria dos cerca de quatro mil moradores não possuía saneamento básico em seus barracos, com esgoto correndo a céu aberto. Não bastasse isso, ainda convivia com a violência dos conflitos entre polícia e tráfico de drogas. A filmagem foi autorizada pelo líder do tráfico de drogas no morro, e um dos chefes do Comando Vermelho, Márcio Amaro de Oliveira, o "Marcinho VP" - que despertou o interesse do jornalista Caco Barcelos, que escreveu a sua biografia Abusado - O Dono do Morro Dona Marta. VP foi morto, na prisão, em 2003, aos 33 anos. Reza a lenda que negociação entre VP e a produção foi realizada diretamente com Spike Lee. Hoje, o pessoal do morro desconversa sobre isso.A presença da imprensa foi proibida e a polícia também não permaneceu no interior da favela, ficando a segurança de Michael por conta dos próprios moradores. Das 180 pessoas destacadas para proteger o cantor, 40 eram de Santa Marta, e teriam recebido entre R$20 e R$50 (o salário mínimo na época era R$100). Segundo os jornais da época, o tráfico teria dado "apoio logístico". O Jornal do Brasil deu a seguinte manchete: "Traficante coproduziu clipe".Michael foi simpático e interagiu com os populares entre vielas, e especialmente da laje onde se passa a maior parte do vídeo. Mesmo debaixo de seu guarda-sol, não se furtou a distribuir apertos de mão, fotos e abraços. Sorridente, deixou a melhor das imagens para o povo do septuagenário morro Dona Marta. Dona Senira, 50 anos de idade, estava no dia da gravação, e se impressionou com o fascínio que o cantor exercia nas crianças: "Ele tinha alguma coisa que mexia com as crianças. Foi um corre-corre danado atrás dele", conta.
Making-of
A gravação foi um divisor de águas para a visibilidade da favela, conta o comerciante Luiz Paulo, de 42 anos. No dia da visita, Luiz e um grupo de amigos filmaram passo a passo os bastidores de They Don't Care About Us. As raras imagens são vendidas até hoje, em DVD, por R$ 10. Com making-of e cenas exclusivas da chegada de helicóptero do cantor, o comerciante vai capitalizando: "Sempre tem turista comprando", comemora.A estudante Karina nasceu em Santa Marta 15 anos atrás, na mesma época da visita do cantor. Sincera, diz timidamente que não é fã, mas gosta de "algumas músicas dele". Conta ainda que "o respeito ao Michael Jackson é geral", embora, de fato, o funk prevaleça como trilha sonora local, competindo principalmente com o gênero gospel.
Espaço Michael Jackson
A rápida passagem de Michael no Dona Marta deu a visibilidade que faltava ao morro. Além de ser palco frequentemente para eventos esportivos e diversos projetos sociais, o local vem sendo usado atualmente como locação de filmes, séries e novelas. Hoje, a laje que se transformou no Espaço Michael Jackson é parada obrigatória para quem visita o Dona Marta - destoando um pouco do resto da paisagem. Foi inaugurado no dia 26 de junho de 2010 -, um dia depois do primeiro aniversário de falecimento do artista. Fixada na mesma laje em que gravou o clipe, há uma estátua esculpida pelo cartunista carioca Ique, além de um grande painel de mosaico feito pelo artista plástico pernambucano Romero Britto. A estátua, feita em bronze, é a principal atração do local. Ique define sua obra de 180 quilos e 1,80m (mesma altura de Michael) como uma "cariscultura".
Muitas mudanças
Quem viu Santa Marta apenas no clipe They Don't Care About Us provavelmente ficará surpreso ao ver as mudanças positivas ocorridas nos últimos 15 anos. Há fluxo diário de turistas, que agora circulam livremente, sem se preocupar com as balas perdidas de outrora. Inclui-se aqui a nova categoria de "turistas na própria cidade" que, com a implantação da UPP, redescontem o Rio de Janeiro sem medo. O local é tranquilo, com moradores atenciosos aos visitantes: não é difícil encontrar receptividade e boas histórias.A história de Santa Marta mudou de vez no dia 19 de dezembro de 2008, com a ocupação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora. A UPP do estado do Rio de Janeiro deu ao morro dias visivelmente mais tranquilos. 123 policiais agora cuidam da segurança de cerca de dez mil moradores ao longo da área de 54.692 metros quadrados.
De Madonna a Obama
O morro, que tantas vezes foi manchete de páginas policiais por ter sido palco de violentos crimes e guerras pelo controle do tráfico, mostrou seu lado pop após a visita de Jackson. Outras celebridades já visitaram Santa Marta, como as cantoras Madonna e Alicia Keys - que também gravou um trecho do clipe Put It in a Love Song. O morador Edivaldo comenta esperançoso: "Obama deve vir aqui também".Depois da implementação da UPP, ocorreu uma grande valorização imobiliária tanto nas localidades próximas, quanto no próprio morro. Há residências custando até R$80 mil segundo Andréia Miranda, Presidente da Associação de Comerciantes de Santa Marta. Especula-se que o valor de um barraco pode variar de R$ 20 mil até R$ 150 mil. Elevador e internetUm fator para valorização foi a implantação de um plano inclinado sobre trilhos, semelhante a um elevador. Com 340 metros de extensão, transporta até 20 pessoas. O Dona Marta foi o morro pioneiro em internet gratuita. Em março de 2009, a prefeitura começou a liberar sinal wi-fi para toda sua extensão através de 16 antenas. O projeto de instalação custou cerca de R$ 490 mil e foi feito com equipamentos remanescentes dos Jogos Pan-Americanos no Rio. Mas existem queixas de que o serviço não funciona corretamente: "A internet wi-fi é uma bomba, não funciona direito", reclama o comerciante Luiz Paulo. A reportagem testou e comprovou: realmente não funciona. Comenta ainda que várias antenas foram danificadas pelos próprios moradores, que teriam confundido as antenas com câmeras de vigilância.
Melhorias e ressalvas
As constantes mudanças que as favelas pacificadas apresentaram geram maior visibilidade positiva. Porém, há ressalvas e até resistência. É o caso de Itamar Silva, morador e ex-presidente da Associação de Moradores de Santa Marta. Em mesa redonda sobre a UPP, realizada em 16 de setembro de 2010 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Itamar afirmou: "Só se fala do Dona Marta por conta da polícia", e ainda "A UPP não foi pensada em sua totalidade. Acaba com o armamento pesado, e não com as drogas". O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) também crítica a forma com que as ações são conduzidas: "A favela melhora para quem é de fora da favela. Há uma remoção branca, discreta, pela implementação de serviços", afirma. O morador Itamar também critica de certa forma a entrada de serviços, que gera taxas que nem todos moradores têm condições de pagar. Legalização do comércio local e prestadoras de serviços de iluminação, TV a cabo e água entraram de vez na comunidade, para combater as ligações clandestinas e levar, principalmente, saneamento básico. Mas ainda é possível ver esgoto correndo a céu aberto no interior de Santa Marta.Música e culturaAtividades culturais, como festivais de hip hop e bailes funks agora são proibidos após a meia-noite, e, segundo Itamar, isso gerou conflitos com violência policial. "O pessoal do hip hop enfrenta preconceito", afirma. Marcelo Freixo diz que "UPP não é projeto para a favela, e sim para a cidade. O verdadeiro projeto é a integração total do morro na cidade, e não de polícia". Ele completa, com uma reflexão sobre a imprensa: "Não há debate na grande mídia, nem reflexão crítica. Só a exaltação do projeto de cidade controlada", desabafa. Manoel Isidoro, pernambucano criado na Paraíba e morador de Santa Marta há 55 anos, também vê com desconfiança o poder público agindo tão diretamente na região. Vive em um barraco de madeira, que contrasta com as casas coloridas da parte mais valorizada da favela, como na construída pelo senador e bispo Marcelo Crivella (PRB-RJ), ou a casa roxa e amarela reformada pelo programa do Luciano Huck. A realidade se revela com várias facetas, e, mesmo no barraco de madeira, Manoel conta que já recebeu visita de turistas interessados na "verdade da comunidade". Nos último trimestre de 2010, passaram pela comunidade cerca de 2.500 turistas por mês, o que permite sonhar com investimentos externos e melhorias para todos os moradores.A produção do clipe de They Don't Care About Us mesclou imagens das gravações em Salvador e Rio. Se na Bahia o destaque foi para o toque de brasilidade musical dos tambores do Olodum, no Rio foi o visual forte da paisagem local. Foi gravada ainda uma outra versão do clipe, em um presídio americano. Porém, o clipe mais divulgado ao redor do mundo foi o conflitante choque de realidades urbanas do Brasil.
(Gulherme Schneider/Especial para BR Press)
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