Michael Jackson já dominava o pop quando lançou Thriller, em dezembro de 1982. Três meses depois, o álbum chegou ao topo das paradas norte-americanas e tornou-se um dos mais vendidos da história da música – 25 anos se passaram e o disco ainda carrega esse título. Republicamos a reportagem, de fevereiro de 1983, em que o astro recebeu a Rolling Stone em sua casa, na Califórnia. Sozinho, ele se mostrou por inteiro – um artista viciado em palco e com os dois pés na fantasia .
por Por Gerri Hirshey
É meio-dia e, em algum lugar de san fernando Valley, em Los Angeles, as persianas da frente de uma fileira de casas de condomínio estão abaixadas para se proteger do sol que brilha forte através da neblina. Do outro lado do portão de metal, o pátio está em silêncio, a não ser pelo barulho distante da água jorrando de uma fonte em sua base plástica. Então, ouve-se o choramingo arrepiante de uma típica menina da área. "Vó, não vou andar a pé um quarteirão inteiro. Está úmido. Meu cabelo vai virar Bombril." E o contraponto acalentador do incentivo maternal: "Seja boazinha, Jolie. Faça isso para a mamãe". Por todos os caminhos bem cuidados do pátio, poodles pulam ao redor de mulheres do tipo que têm poodles em coleiras cor-de-rosa.
"Não é o que você esperava, hein?"
Atrás de uma máscara de dedos finos, Michael Jackson solta risadinhas. Depois de acomodar seu visitante no piso intermediário da casa de condomínio de três andares, ele explica que essa residência é temporária, enquanto sua casa em Encino, Califórnia, está sendo reconstruída. O astro reconhece que esta é uma moradia improvável para um jovem príncipe do pop. Também é surpresa ver que Michael resolveu enfrentar esta entrevista sozinho. Ele lembra que não faz nada assim há mais de dois anos. E que, mesmo quando fazia, era sempre acompanhado por um séqüito de empresários, outros irmãos Jackson. Ele se esgueira, se esconde, fala com a ponta dos sapatos. Sabe-se que conduz sua vida privada com cuidado quase obsessivo, "igualzinho a um hemofílico que não pode se dar o luxo de sofrer um arranhão". A analogia é dele.
Compare isso às estatísticas, aos sucessos, e a conta não fecha. Ele é a figura de destaque no Jackson Five desde a escola primária. Em 1980, saiu do grupo para gravar seu próprio LP, Off the Wall, que se transformaria no álbum de maior vendagem no ano. Thriller, o novo trabalho, está no número 5 das paradas. E a lista de artistas que atualmente trabalham com ele - ou que querem trabalhar - inclui Paul McCartney, Quincy Jones, Steven Spielberg, Diana Ross, Queen e Jane Fonda. No estúdio, no palco, na TV e no cinema, Michael Jackson não tem problema nenhum de se expor. Em entrevistas, a história é outra.
"Você gosta de fazer isso?", Michael me pergunta. Há um tom de incredulidade em sua voz, como se estivesse fazendo a pergunta a um legista. Ele está largado em uma cadeira de sala de jantar, olhando para o nível inferior da sala de estar, que está cheia de estátuas. Algumas são graciosas, bronzes ao estilo greco-romano. Michael não consegue exatamente ficar quieto na cadeira. Está tão nervoso que engole um saco de batatinhas. Esse é um comportamento verdadeiramente estranho. Nenhum dos irmãos se lembra de ter visto qualquer coisa assemelhada a um salgadinho passar por seus lábios desde que se tornou vegetariano severo e discípulo dos alimentos saudáveis, há seis anos. Aliás, Katherine Jackson, sua mãe, fica preocupada porque o filho caçula parece sobreviver com pouco mais do que ar. Até onde ela sabe, ele simplesmente não se interessa por comida.
"Eu realmente odeio isto", dispara. Depois de acabar com as batatinhas, começa a dobrar e redobrar um recorte de jornal. "Fico muito mais à vontade no palco. Mas, bom, vamos lá." Ele sorri. Mais tarde, explica que "vamos lá" é o que seu guarda-costas sempre diz quando estão prestes a entrar em algum tumulto público. Também é uma frase que Michael escuta desde que aprendeu a amarrar os sapatos. "Vamos lá, garotos." Com essa frase, Joe Jackson reunia os filhos Jackie, Tito, Jermaine, Marlon e Michael. É o grito de guerra que os irmãos fazem antes de entrar no palco - e que Michael ouve há mais de três quartos de sua vida - primeiro com os Jackson Five, na Motown, e agora com os Jacksons, na Epic. Michael e os Jacksons venderam mais de 100 milhões de álbuns. Ela só tinha 11 anos em 1970, quando o primeiro sucesso do grupo, "I Want You Back", desbancou "Raindrops Keep Fallin' on My Head", de B.J. Thomas, do número 1 da parada.
Michael conta que percebeu que alguma coisa especial acontecia aos 5 anos, quando cantou "Climb Ev'ry Mountain" na escola e a casa veio abaixo. Naquela época, tanta precocidade assustou sua mãe. Mas, anos depois, acalmou corações e forrou cofres quando Off the Wall vendeu mais de 5 milhões de cópias nos Estados Unidos, mais 2 milhões no resto do mundo; um dos singles de sucesso tirados do álbum, "Don't Stop 'Til You Get Enough", valeu-lhe um Grammy. O LP rendeu quatro singles entre os dez mais vendidos, recorde para um artista solo.
Se a tensa indústria fonográfica ousasse apostar, o investimento mais inteligente seria feito em Michael Jackson. Nos últimos meses, ele tem trabalhado em nada menos do que três projetos: seu próprio recém-lançado Thriller; um álbum de Paul McCartney em confecção, que trará duas colaborações da dupla Jackson-McCartney, "Say, Say, Say" e "The Man"; e a narração e uma música para o álbum do filme E.T. - O Extraterrestre para a MCA, com o diretor Steven Spielberg e o produtor Quincy Jones. No tempo livre, escreveu e produziu o single "Muscles" para Diana Ross. Realmente, esse é um rapaz apressado que já olha além do álbum dos Jacksons que está agendado para o fim do ano. Existe a oportunidade de uma turnê no primeiro semestre do ano que vem. E, depois, há os filmes. Desde que fez o papel do espantalho em The Wiz (uma adaptação de O Mágico de Oz que estreou em 1978), seu quarto anda abarrotado de roteiros.
Aos 24 anos, michael Jackson tem um pé bem firme em cada lado dos 80. Seus sucessos de infância já se tornaram clássicos e seus ídolos da juventude se transformaram em parceiros. Michael tinha só 10 anos quando se mudou para a casa de Diana Ross em Hollywood. Agora ele a produz. Tinha 5 quando os Beatles fizeram sua transição; agora ele e McCartney brigam pela mesma garota em "The Girl Is Mine", single de Michael. Os amigos que ele tem no showbiz também atravessam gerações. Ele anda com outras crianças-prodígio, como Tatum O'Neal e Kristy McNichol, e com a ex-criança-prodígio Stevie Wonder. Faz fofoca a longa distância com Adam Ant e Liza Minnelli e bate papos íntimos com Fred Astaire. Jane Fonda o está ensinado a atuar. A amiga por correspondência Katharine Hepburn rompeu o hábito da vida toda de evitar o rock ao comparecer a um show dos Jacksons, em 1981, no Madison Square Garden, em Nova York.
Até mesmo E.T. seria cativado por um espírito tão gentil, de acordo com Steven Spielberg, que diz ter dito a Michael: "Se o E.T. não tivesse procurado Elliott, ele teria ido à sua casa". Spielberg também diz que não pensou em mais ninguém para narrar a saga de seu alienígena receoso. "Michael é um dos últimos inocentes vivos que têm controle completo sobre sua vida. Ele é uma estrela infantil cheia de emoção."
"Na primeira vez que assisti a E.T., me desmanchei", confidencia Jackson. "Na segunda vez, chorei como um louco. E daí, ao fazer a narração, senti como se estivesse lá com eles, atrás de uma árvore ou algo assim, observando tudo." O envolvimento emocional de Michael foi tão grande que Steven Spielberg encontrou seu narrador chorando no estúdio escuro quando chegou à parte em que o E.T. está morrendo. No final, Spielberg e o produtor Quincy Jones resolveram seguir em frente e deixar a voz de Michael falhar. Lutar contra aqueles sentimentos seria contraproducente - algo que Jones aprendera ao produzir Off the Wall.
Para sua própria proteção, Michael rodeou a si mesmo com uma série de comportas de contenção emocional, criando situações em que tudo bem deixar a enxurrada rolar. "Algumas circunstâncias exigem que fique verdadeiramente quieto", admite. "Mas danço todo domingo." Nesse dia, ele também jejua. Esse, a mãe confirma, é um ritual semanal que deixa o filho acabado, suando, rindo e chorando. Também é um ritual muito parecido com as apresentações de Michael. De fato, o peso da apresentação de palco dos Jacksons se apóia pesadamente sobre seus ombros cobertos de lantejoulas. Não há nada de experimental nos movimentos solo dele. Ajudado pelo impacto causado por roupas justinhas prateadas, parece que ele muda sua estrutura molecular como bem entende, passando de ângulos robotizados a curvas graciosas em um piscar de olhos. Ele ofega, arqueia e solta gritinhos. Sabe-se que tem mania de pular do palco e começar a escalar a estrutura do cenário.
Em casa, em seu quarto, ele dança até cair. Michael diz que as sessões de dança do domingo também são uma maneira eficiente de acalmar seu vício pelo palco quando não está em turnê. Às vezes, nesses períodos de descanso, algum outro artista o chama do meio do público. E, no longo trajeto da cadeira até o palco, os dois Michaels se confundem. "Fico lá sentado, pedindo: 'Por favor, não me chame, sou tímido demais'", explica. "Mas, quando chego lá, assumo o controle. Estar no palco é mágico. Não há nada igual. A gente sente a energia de todo mundo. Quando chega na hora de ir embora, não quero sair. Poderia ficar no palco para sempre. É a mesma sensação de quando faço um filme - você pode se transformar em outra pessoa. Adoro esquecer. E, muitas vezes, você esquece completamente. É igual a um piloto automático. Quer dizer... ufa!"
Durante as filmagens de The Wiz, ele se apegou tanto a seu personagem de Espantalho que a equipe responsável tinha que arrancá-lo do cenário e de dentro da fantasia. Ele estava em OZ, e nem um pouco a fim de voltar para mais um quarto de hotel. "Foi por isso que adorei fazer E.T. Eu estava lá de verdade. No dia seguinte, fiquei com muita saudade dele. Queria voltar para aquela floresta. Queria estar lá."
Infelizmente, ele continua na mesa da sala de jantar de sua casa. Mas, apesar da tensão visível, consegue se segurar firme. E fica todo animado com uma pergunta sobre seus animais de estimação. "Tenho dois cervos. Mr. Tibbs parece um carneiro; tem chifres. Tenho um lhama lindo, o Louie." Também gosta de araras e cracatuas, e tem uma ema gigante. "Fique aqui mesmo", ele pede, "vou lhe mostrar uma coisa". Michael sobe a escada até o quarto de dois em dois degraus. Apesar de saber que só estamos nós dois na casa, escuto quando ele fala com alguém. "Ah, você estava dormindo? Desculpe..." Segundos depois, uma jibóia de 2,5 metros é depositada em cima da mesa de jantar. O bicho se aproxima de mim em velocidade assustadora. "Esta aqui é Muscles. E foi treinada para comer entrevistadores." Muscles, que chegou até o gravador e mostrou a língua em sinal de desdém, continua se aproximando da fonte mais próxima de sangue quente. Michael, preocupado, recolhe o réptil quando seu focinho arredondado encosta no meu pulso. Se é que a presença de um desconhecido causa algum efeito, provavelmente é deixar Muscles um pouco nervosa. Enrolada no torso do dono, sua força faz com que o antebraço de Michael se transforme em um baixo-relevo vívido de vasos sanguíneos. Para demonstrar a noção de equilíbrio da cobra, Michael a coloca em cima de um corrimão de 7 centímetros e meio de largura, onde o animal permanecerá, imóvel, durante a próxima hora, mais ou menos. "As cobras são muito mal compreendidas", solta. As cobras, sugiro, podem ser as mais antigas vítimas da divulgação de calúnias. Michael dá um tapa na mesa e solta uma risada. "Calúnias. Não é mesmo, Muscles?"
A cobra ergue a cabeça por um instante e volta a se acomodar no corrimão. Ficamos um pouco mais relaxados. "Sabe outra coisa que adoro?", Michael pergunta. "Adoro manequins." Sim, ele está falando do tipo que a gente vê usando biquíni na vitrine das lojas de Beverly Hills. Quando a casa nova dele estiver pronta, diz que terá um quarto sem mobília, só com uma mesa e um monte de manequins de loja. "Acho que quero trazê-los à vida. Gosto de imaginar que estou conversando com eles. Parece que estou acompanhado por amigos que nunca tive. Por ser artista, não dá para saber quem é seu amigo. E as pessoas olham para você de um jeito muito diferente, como uma estrela, não como o vizinho da casa ao lado."
Faz uma pausa e fica olhando para as estátuas da sala de estar. "É isso. Eu me rodeio de pessoas que desejo que sejam meus amigos. E posso fazer isso com manequins. Vou conversar com eles." Tudo isso não quer dizer que Michael não tenha amigos. Ao contrário, tem gente que alega ser amiga dele. E esse é exatamente o problema: com um número cada vez maior de pessoas batendo à sua porta, é necessário separar e categorizar. Michael nunca teve um colega de escola. Nem um vizinho para brincar na rua. Nem namorada firme. "Conheço gente no show business." A pessoa de mais destaque é Diana Ross, com quem ele compartilha seus problemas e "segredos mais profundos e mais obscuros". Mas, mesmo quando estão só os dois, seu mundo é circunscrito. "Eu e Liza [Minelli], por exemplo. Bom, eu a consideraria uma ótima amiga, mas amiga do show business. Ficamos lá conversando sobre um filme, e ela me fala de Judy Garland. E daí diz: 'Mostre para mim aquela coisa que você fez no ensaio'." Ele improvisa um passo e dança. "E eu digo: 'Mostre o seu'. Nós adoramos nos assistir."
Isso Michael não acha estranho nem inaceitável. A celebridade corre para se esconder quando transforma todos os seus gestos em uma performance. Alguns astros simplesmente enfiam na cabeça que têm de agüentar as coisas, independentemente de tudo o mais. Diana Ross entrou toda cheia de coragem em uma loja de sapatos de Manhattan com as três filhas e então comprou tênis para elas, apesar da multidão de 200 pessoas que se juntou na calçada. Michael consideraria isso intolerável. Ele só vai a um restaurante de Los Angeles, um lugar que oferece comida saudável, onde os donos o conhecem. Já para fazer compras, evita as lojas: manda um secretário ou assistente escolher roupas para ele. "A gente não tem paz em uma loja. Se não sabem seu nome, conhecem sua voz. Não dá para se esconder." E continua: "Ser atacado por uma multidão dói. Você se sente como espaguete entre mil mãos. As pessoas fazem você tropeçar, puxam seu cabelo. E você fica achando que, a qualquer momento, vai fraquejar".
Assim, ele precisa viajar com o sigilo velado da filha preciosa de um paxá. Qualquer tentativa de turismo é feita atrás de óculos escuros, limusines com vidros foscos e o terno austero de sarja de um guarda-costas. Até quando está em um quarto de hotel, ouve as mulheres berrando e correndo de um lado para o outro, como ratos dentro das paredes. "Mulheres na recepção, subindo as escadas. A gente ouve os seguranças tirando-as dos elevadores. Mas você fica no seu quarto e compõe uma música. E, quando se cansa disso, fala sozinho. Daí, coloca tudo para fora no palco. É assim que funciona." Não há discussão: isso não é normal. Mas e os manequins? Não seria assustador acordar no meio da noite e ver todos aqueles sorrisos sintéticos? "Ah, vou dar nomes a eles. Como as estátuas que você está vendo lá em baixo." Ele aponta para o pessoal da sala de estar. "Elas têm nome. É como se eu as conhecesse. Vou lá embaixo e converso com elas."
Um ritmo irrequieto sacode o pé dele, e o recorte de jornal há muito foi destruído. Michael pede desculpa, explica que não consegue ficar parado. Em um impulso, resolve me levar até a casa em construção. Apesar de os pais o terem forçado a aprender a dirigir há dois anos, Michael raramente pega o carro. Quando o faz, recusa-se a trafegar por vias expressas, faz desvios de uma hora para evitá-las. Aprendeu o caminho apenas para algumas zonas "seguras" - a casa dos irmãos, o restaurante de comida saudável e a igreja. Primeiro, Muscles precisa ser guardada. "Ela é um amor", Michael diz enquanto desenrosca a cobra do corrimão. "Gostaria de enrolá-la em você antes que vá embora." Ele não está fazendo piada, e Michael não vai forçar a questão. Mas medo de entrevistas pode ter raízes tão profundas quanto medo de cobras e, quando ele consentiu em falar, disse a Michael a mesma coisa que ele está me dizendo agora: "Pode confiar em mim. Não vai lhe fazer mal".
Entramos em um acordo. Muscles vai se esgueirando em volta da minha canela. A língua dela é seca e faz cócegas. Se bloquear seu medo primal, pode ficar imaginando que é o bigode de um gatinho. "Você realmente acredita que esse animal agora não vai lhe fazer mal, certo?", comenta Michael. "Mas existe um medo, imbuído pelo mundo, que faz você recuar." Depois de demonstrar seu ponto de vista com educação, Michael e Muscles desaparecem escada acima.
"Oi, michael." alguns recados assim, bem com jeito de menininha, estão rabiscados em uma placa no portão de aço da entrada de sua casa. Há uma cerca, cachorros e seguranças, mas as meninas continuam fazendo tocaia na frente, em carros e no meio de arbustos. Enquanto Michael conduz o passeio pela mansão estilo Tudor de dois pisos, fica claro que o quarto em que ele vai dormir é praticamente uma cela de monge na comparação com os aposentos que mandou construir para seus prazeres e os que reservou para as irmãs Janet e LaToya - elas calcularam cada detalhe de suas suítes cobertas de papel de parede. "As meninas gostam de exagero", explica, pulando por cima de uma serra elétrica. "Não me importo. Queria um lugar para dançar e para colocar meus livros."
Os aposentos que Michael inspeciona com mais cuidado são os reservados à recreação. "Vou colocar todas essas coisas aqui", adianta, "para nunca precisar sair e ir para o mundo lá fora." Entre as "coisas" estão uma sala de cinema com dois projetores profissionais e um alto-falante gigante. E depois tem uma sala de exercícios, outra para videogames e uma terceira com um sistema de vídeo com tela gigante. Além disso, há uma câmera enorme saindo do pátio dos fundos, que foi designada como "A Sala dos Piratas". Não será exatamente decorada, mas sim povoada. Mais manequins. Mas esse grupo vai responder. Michael está usando a consultoria de um técnico da Disney, exatamente o profissional que criou as figuras de audio-animatronics para Piratas do Caribe, o brinquedo da Disneylândia. Se tudo der certo, ele vai instalar diversos bucaneiros, prostitutas e lobos do mar que olham feio e sacodem seus fuzis. "Não vai ter nenhum brinquedo", Michael esclarece. "Mas vai haver tiroteio entre piratas, canhões e pistolas. Eles vão ficar gritando uns com os outros e vou mandar instalar luzes, sons."
Piratas é um de seus brinquedos preferidos no Magic Kingdom. E a Disney é um dos poucos lugares públicos de que nem Michael Jackson consegue ficar longe. Às vezes ele pára em uma lojinha de mágicas e compra uma daquelas máscaras de Groucho Marx - óculos falsos com um nariz acoplado. Mas é melhor quando os funcionários o conduzem através de portas dos fundos e túneis. Atravessar o pátio do Castelo da Bela Adormecida durante o dia é loucura. "Tentei ir lá ontem à noite, mas estava fechado", ele recorda, com certa descrença.
Quando voltamos para o condomínio, Michael descobre que uma prova de "The Girl Is Mine" foi entregue. Isto é trabalho, ele precisa conferi-la antes do lançamento e vai para o escritório. Antes de a faixa terminar, já está apertando as teclas de um telefone. Entre as ligações para contadores e empresários, diz que toma todas as decisões, até a colocação da última lantejoula em suas roupas de palco. Diz que sabe ser um entrevistador implacável quando se trata de escolher empresários, músicos e promotores de shows. Ele avalia a performance desses profissionais com o rigor de um repórter investigativo, interrogando os irmãos, colegas artistas e até mesmo repórteres, em busca de comentários. Apesar de realmente acreditar que seu talento vem de Deus, tem noção bem precisa sobre seu valor no mercado aberto. Ele nunca é abusado nem autoritário, mas aprecia ser respeitado. Não lhe pergunte, por exemplo, há quanto tempo ele está com uma empresa específica do show business. "Pergunte-me", ele corrige, "há quanto tempo a empresa está comigo."
Michael é o perfeito híbrido do pop para a década de 1980. Thriller é eclético o bastante para incluir cânticos africanos e um pouco de guitarra bem masculina, pelas mãos de Eddie Van Halen. Agora está sendo chamado de pop-soul pelos responsáveis da categorização de marketing. Michael diz que não se importa com o rótulo que queiram dar ao trabalho. A maneira como tudo convergiu para aquele resultado continua sendo um mistério para ele - assim como seu próprio processo criativo. "Acordo de um sonho e digo: 'Uau, vou colocar isto aqui no papel'", explica. "A coisa toda é estranha. Você escuta as palavras, tudo está ali mesmo, na sua cara. E você diz para si mesmo: 'Sinto muito, não acabei de escrever isto. Já estava aí'. É por isso que detesto levar o crédito pelas músicas que compus. Sinto que foram feitas em algum lugar e que sou apenas o mensageiro que as traz para o mundo. Realmente acredito nisso. Amo o que faço. Sou feliz com o que faço. É uma fuga."
E Michael tem razão. Não existe definição melhor para um bom pop norte-americano bem intencionado. E poucos compreendem isso melhor do que Diana Ross. A proximidade entre ela e Michael começou quando Diana foi apresentada aos Jackson. "Não, eu não os descobri", ela se explica, contradizendo o mito. O chefe da Motown, Berry Gordy, já os tinha encontrado; ela simplesmente os apresentou em seu especial de televisão de 1971. "Não havia identificação entre Michael e eu", recorda. "Eu era mais velha e ele me idolatrava e queria ser como eu."
Aos 7 anos, Michael já era um monstro da dança, fazia a coreografia do grupo todo. As apresentações locais iam abrindo caminho para a abertura de shows em salas maiores de cidades distantes. Joe Jackson passava os fins de semana e as noites como chofer, road manager, empresário e técnico. Ele ensinou a Michael como ocupar o palco e segurar um microfone. As regras eram rígidas. As notas tinham que ser sempre altas, apesar de eles fazerem até cinco shows por noite: quem desrespeitasse, ia para a rua. Quando a Motown ligou, Joe levou os garotos para Detroit e Katherine ficou com o resto das crianças. Ela diz que nunca tinha se preocupado com os filhos até ir a um show e ouvir os gritos da platéia. "Às vezes, as meninas subiam no palco e iam para cima de Michael. Ele era tão pequeno e elas eram tão grandes..."
Mas crianças e animais podem, sim, enfiar o nariz nas reservas mais fechadas de Michael. É a assombração do ambiente do showbiz que transformou a passagem dele para a vida adulta em algo tão público e tão difícil. Ele agüentou, com paciência e bom humor, os boatos de sempre - de operações de mudança de sexo e acusações de paternidade de mulheres que nunca viu. Mas tudo isso claramente o afetou. "Billie Jean", de Thriller, é uma negação veemente de paternidade ("the kid is not my son" - a criança não é meu filho). Na realidade, nunca existiu uma pessoa especial. Michael diz que não está com pressa de entrar em nenhuma ligação romântica. "É a mesma coisa que eu disse a respeito de arrumar amigos", ele compara. "Com isso, é ainda mais difícil. Há tantas garotas ao meu redor, como é que vou saber?"
"Vim ver um amigo", avisa Michael, que tenta se esquivar educadamente de uma moça equipada com parafernália de vídeo de última geração. Ela bloqueia o corredor que conduz ao labirinto de camarins embaixo do L.A. Forum. "Posso dizer para meus telespectadores que Michael Jackson é fã do Queen?" "Sou fã de Freddie Mercury", ele dispara, passando por ela e entrando em uma sala comprida cheia com integrantes do Queen, esposas, roadies e amigos. Um homem corpulento com aparência de zagueiro de futebol americano está ajudando o vocalista Freddie Mercury a fazer exercícios de alongamento que levarão seus músculos desgastados pela estrada a agüentar o último show da turnê mais recente pelos Estados Unidos. A banda está animada. Michael está acanhado, fica parado quietinho à porta até que Freddie o avista, levanta de um salto e o prende em um abraço. Freddie convidou Michael. Passou a semana toda ligando, principalmente para falar sobre a possibilidade de trabalharem juntos. E eles resolveram experimentar essa parceria no próximo álbum dos Jacksons. Apesar de não terem muita coisa em comum - Freddie comemorou um aniversário recente pendurando-se pelado em um lustre -, os dois ficaram amigos desde que Michael ouviu o material que o Queen tinha gravado para The Game e insistiu para que o single fosse "Another One Bites the Dust".
"Agora ele me escuta, certo, Freddie?"
"Certo, irmãozinho."
O zagueiro acena. Freddie faz um movimento com o cigarro na direção das travessas de frutas, aves e doces. "Você e os seus amigos podem ficar à vontade." Nosso acompanhante, um guarda-costas de rosto gentil e punhos enormes, consulta a segurança para saber sobre a localização dos assentos. No momento, o papo todo gira em volta do show business. De fofoca, para ser mais específico. Michael está questionando um dançarino que conhece a respeito da crise recente de um superastro. Ele quer saber qual é o problema. A resposta do dançarino vem em forma de mímica, com o dedo colocado na lateral do nariz. Michael reconhece que vai atrás desse tipo de fofoca. "Sempre quero saber o que faz bons artistas desmoronarem", ele diz. "Sempre tento descobrir. Porque simplesmente não consigo acreditar que é a mesma coisa que os pega uma vez depois da outra." Até agora, seus próprios vícios - o palco, a dança, os desenhos animados - estão livres de toxinas.
Algo está agindo sobre Michael Jackson agora, mas não é nenhuma substância química. Ele se agita como uma abelha presa dentro de um pote de geléia. É a sala em que estamos, ele explica. Tantas vezes já exercitou e aqueceu as cordas vocais aqui mesmo, enlouqueceu neste lugar, tremendo como algum cavalo de corrida pronto para disparar pela pista ao entrar em sua roupa coberta de lantejoulas. "Não agüento isto aqui", ele praticamente grita. "Não consigo ficar parado." Logo, precisa ser segurado, para seu próprio bem. Randy Jackson dispara para dentro da sala, segura o irmão com um abraço de urso e o ajuda a dissipar um pouco da energia com uma espécie de luta. Esta não é a mesma criatura que tentou se esconder atrás de uma batatinha. Agora Michael está lutando boxe com o guarda-costas, perguntando a cada minuto que horas são, até que o homem, misericordioso, bate a mão grande no ombro de seu protegido e solta um "Vamos lá".
Freddie Mercury e companhia já começaram a se deslocar pelo corredor estreito. Antes que alguém possa segurá-lo, Michael sai atrás deles, esbaldando-se no rugido grave do público lá fora, dando pulinhos para dar uma olhada em Freddie, que ergue o punho e se prepara para subir a escada que leva ao palco. "Aaaah, Freddie está com tudo", orgulha-se Michael. "Tenho inveja dele neste momento. Você nem sabe o quanto." O restante da banda sobe a escada e a cortina preta do palco se fecha. Michael dá meia-volta e se deixa ser conduzido para a escuridão da arena.
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